Já por diversas vezes me senti um previlegiado graças à minha profissão. Ser jornalista dá-nos acesso a histórias, gentes e locais aos quais, como mero cidadão nunca teria acesso.
A tragédia da Linha do Tua foi disso um exemplo. Fui chamado para o local por volta das oito da noite de segunda-feira. Demorámos 2h a chegar a Carrazeda de Ansiães. É certo que não fomos pelo caminho mais curto, mas foi a indicação que nos tinham dado.
Durante a viagem, a TSF era o nosso "guia". Chegámos a ponderar se valeria a pena continuar viagem. Corria a notícia de que já todos os ocupantes tinham sido encontrados, mas isto não era mais do que um exemplo de "contra-informação"... vá-se lá saber com que objectivo...
Chegámos ao "campo da bola" de Carrazeda no exacto momento em que o helicópetero dos SNPC estava a levantar. Tinha acabado de deixar mais um ferido que ia ser levado para o hospital de Vila Real.
Nesta altura a adrenalina já estava ao máximo. Tal como os médicos, e outras profissões que lidam com tragédias, também nós jornalistas temos por vezes que nos abstrair do contexto de fatalidade em que estamos a trabalhar.
Voltando ao helicópetero... tentámos fazer imagens do aparelho, mas a câmara resolveu avariar naquele preciso momento. Depois da aventura que foi lá chegar...
Ao nosso lado estava uma senhora. Morava mesmo na casa ao lado. Presumindo que fosse humidade, perguntámos se nos podia ajudar, emprestando um secador de cabelo para tentar aquecer o interior da máquina e assim eliminar eventuais humidades.
Mas de pouco adiantou. A câmara continuava a não ligar. Resolvemos ir até ao centro de comando. Era preciso informar os colegas do sucedido. Afinal estavam a contar connosco e não havia hipótese de falar por telemóvel.
Milagres dos milagres, junto à estação do Tua, a câmara volta a funcionar. Nessa noite pouco fizemos. No local já estavam três delegações, ao todo. Estava ainda para chegar uma equipa do Porto, e no dia seguinte, viria também a da Covilhã. Chegámos a ser 13 pessoas.
Foi um claro exemplo de hard news. De trabalhar no fio da navalha. De percorrer quilometros para meia dúzia de planos valiosos. De editar tudo à última da hora. Foi um trabalho de equipa.
Chegámos ao Tua na segunda e só saímos na sexta-feira à noite. Fizemos de tudo! Andámos de drezine, de jipe, de barco... e muito... a pé!
Valeu-nos também a ajuda fundamental dos donos da estalagem CASA DO TUA, onde ficámos instalados. Abriram-nos completamente as portas. Deixaram-nos utilizar tudo como se estivéssemos em casa. Desde o escritório, ao telefone fixo e à internet. Foram o nosso back office. E o que teria sido de nós sem eles...?
Por tudo isto e muito mais, foi sem dúvida uma experiência única na minha vida e que nunca esquecerei.Profissionalmente falando foi uma muito enriquecedor.
Mas também nunca esquecerei que esta experiência ocorreu num contexto de uma grande tragédia. Há três vítimas a lamentar. Três famílias de luto. E a essas pessoas, pouco ou nada importa o que eu aqui disse...